Sobre fingimento e inclusão

Há 40 anos recebo olhares de dúvida e surpresa para a ausência da minha mão.

Acho que está na hora de eu contar qual a melhor forma de você fingir que não viu que eu não tenho uma mão.

Invariavelmente as crianças, quando, e se percebem minha deficiência, tem 2 reações bem claras e distintas. A primeira: ficam tão surpresas que dão uma travada, resultado de todas as dúvidas que rolam na cacholinha delas. Para esses casos, eu me abaixo, e com uma abordagem afetiva dou oi e pergunto “viu que o tio não tem a mão?”. Está aberto o diálogo e a partir dai elas fazem todas as perguntas objetivas as quais eu respondo prontamente. Geralmente voltam a brincar e as dúvidas vão para o passado. A travada se transforma em diálogo e carinho. E inclusão.

Para o outro grupo de crianças, respostas diferentes: ou gritam para os pais “olha, o tio não tem o braço!” Ao qual eu respondo, o braço tá aqui, a mão é que o tio não tem. Ou, sem timidez alguma, me perguntam sobre, assim como perguntariam as horas para qualquer pessoa.

É para estes dois grupos de crianças que eu gostaria de dar alguma contribuição.

Não para elas, na verdade. Para os pais delas.

O que acontece em 99,9% dos casos em que as crianças me abordam honestamente e sem julgamento algum, é que os pais ou responsáveis se tomam de um constrangimento tão gigantesco que já saem em minha “defesa” (oi?) como se a própria criança tivesse arrancado minha mão.

Aí sim está feita a merda.

Por isso este texto. Para acalmar os adultos em relação às deficiências das pessoas.

Eu sei, nossa geração não foi educada para a inclusão. Até bem pouco tempo atrás, as crianças autistas eram escondidas dentro de casa. Cadeirantes já sabiam que o lugar deles não era nos espaços públicos.

E nesse mesmo sentido, não estávamos prontos para homens sem uma mão numa pracinha cheia de crianças.

Desde muito novo, nunca me incomodei com o olhar das crianças para minha falta. Sempre me magoei e me irritei profundamente com o fingimento dos adultos.

Hoje tenho dois parceiros muito especiais que, muitas vezes, explicam por mim que “nasci assim”. Meus filhos já sabem desde quando engatinhavam que todos nós “nascemos assim”. Mas alguns com um coração maior.

Não somos obrigados a saber lidar com todas as situações diferentes da nossa. Mas a minha sugestão número 1 (e única) é: ao fingir que você não viu a deficiência de uma pessoa você arranca dela todas as possibilidades de inclusão. É como se você cumprimentasse um amigo e ele passasse reto por você, transparente.

Dispa-se de preconceitos. A deficiência não é contagiosa. Incentive seu filho a brincar com todas as crianças. E pergunte sobre a melhor maneira. Enxergar é aceitar. Fingir é ferir.

 

 

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