E não é que meu pai tinha razão?

Cada vez que meu pai me buscava de carro em algum lugar, eu passava vergonha. Meus amigos entravam no carro comigo e lá estava o “seu” Salvatore devidamente acomodado no seu encosto de bolinhas de madeira no assento do motorista.

Acho até que eu ficava vermelho, misto de vergonha e raiva. Você sabe, filhos se envergonham por qualquer bobagem. Essa era a minha bobagem. Achava aquilo feio, desnecessário e, óbvio, vergonhoso. Nosso carro já não era grandes coisas, e ainda ostentava aquele encosto!

Pior: quando eu reclamava, ele ameaçava comprar mais um para o assento do passageiro! Eu veria quão terapêutico eram as bolinhas para minha lombar…

Mas você sabe: um adolescente pouco percebe sua lombar. E, menos ainda, sabe o que a lombar de um pai suporta.

Hoje, cada vez que minhas costas gritam, lembro de você, das bolinhas e de que devia ter te escutado mais.

Mesmo sem cogitar a compra de encostos de madeira para nosso carro, eu poderia apostar que meu adolescente passa por esses momentos de vergonha. Não se ganha o apelido de “mala” por nada. Porém, gosto do que temos. Porque na base do que temos está o diálogo e a presença. O suficiente para envergonhá-lo.

Veja bem, percebemos que seremos obsoletos para esses sabichões porque estamos presentes. Pai ausente não é combatido. Carência não encontra argumentos. É o afeto que causa embates. Porque sabe-se que ali há vínculos profundos que sobreviverão ao conflito.

Meu pai e suas bolinhas ridículas de madeira só me fizeram passar vergonha porque existiram próximas a mim. Presentes no cotidiano. Não eram bissextas, muito menos ausentes.

As bolinhas de madeira massageavam a lombar do meu velho e sem desconfiar seriam eternizadas na minha lembrança. Se fecho os olhos, as enxergo com a mesma clareza com que sinto o sorriso do meu pai.

Só para jogar na nossa cara que o coração se alimenta do inesperado. Talvez tudo o que seu filho precise seja sentir um pouco de vergonha de você hoje. Para passar o resto da vida valorizando o pai que você é (ou foi).

Hoje meu pai completaria 85 anos. Não sinto mais vergonha dele há muito tempo. Mas a saudade é diária. Feliz Aniversário, papi!

Texto: @pai_mala

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