A mesa de canto com os porta-retratos é baixa. Tampo em pedra. Um tipo de granito avermelhado. Pés de madeira. E ali, descansam pouco menos de dez fotos das mais marcantes da vida. Casamento, nascimentos, formatura do filho no judô e o último retrato de seu pai. Feito pelo filho caçula. Usado na sua lápide e, agora, pousado na mesa antiga de canto que fica, aliás, no meio do caminho.
E cada vez que o filho caçula que fez o retrato passa por ele é como se a respiração parasse. Mas de uma forma boa e respeitosa. Um momento dedicado a buscar alguma memória boa entre o retratista e o retratado. Entre pai e filho. Quando há tempo, faz um carinho com a ponta dos dedos no vidro gelado que ganha a textura da pele enrrugada pelo sorriso eternizado naquele porta-retratos.
Porque a ausência de um pai gera coisas diferentes dentro da gente. Certamente traz certa tristeza ao filho caçula que só entendeu o pai após sua morte. O quanto deixaram de viver juntos. O tanto que não puderam compartilhar. Quis a vida assim. Há de se entender. Mesmo sem aceitar.
Acarinhar aquela fotografia, último registro de seu pai, é quase um pedido de perdão e uma vontade de ter um tempo extra para poder dizer o quanto são parecidos. Mesmos gostos, mesma pele, rosto. Coração. Um homem bom. A única pessoa a criticá-lo fora a ex-esposa. Não lembrava de mais ninguém. Não era um Santo. Mas era um sonhador. E um homem bom.
Não se vive de remoer velhas memórias ruins. O tempo que tiveram juntos foi bom. Poderia ter sido mais.
O que alegra o coração do filho caçula que fez aquele último registro que ilumina a sala de estar é o fato de perceber-se a cada dia mais parecido com seu pai e assim carregá-lo à flor da pele a todo instante. Estão tendo todo o tempo do mundo para se entenderem. Para se aceitarem. E para o amor que sempre existiu. A cada carícia no porta-retratos, um eu te amo recíproco. Quis a vida assim.