2022 produziu um fenômeno chocante: a geração que completa álbum de figurinhas em 24 horas. Ou, os menos afoitos, reúnem toda as centenas de cromos em uma semana.
Provavelmente não há respostas lógicas para a pergunta “por que permitir a compra de tantas figurinhas em um período tão breve?”.
Eis meu palpite: porque estamos acelerados demais. Passamos dois anos em pausa forçada. Um DVD repetindo a mesma cena incessantemente sem arranhar a mídia, mas ferindo a quem sobreviveu bravamente.
E agora é tempo de reverter as frustrações impostas. Agora podemos tudo. Precisamos de tudo. Rápido! Já pausamos tempo demais! Compra logo setecentas figurinhas, eles merecem.
E na busca por cicatrizar frustrações, as famílias estão fomentando o pior nas nossas crianças: o vazio de um álbum completo. Repleto de valiosas figurinhas douradas, sem que criança alguma esteja sentindo de fato a vitória que um álbum completinho deveria representar.
Porque não deu tempo. Não houve a tensão da figurinha rara. Não houve o choro por perder o Neymar no bafo. Não houve sequer a tarde chuvosa em que a gente folhava pela milésima vez as páginas coladas conferindo craque a craque.
Não houve o tempo de brincar de colecionar. Sinto que compraram álbuns prontos. Sem diversão. Acumular por acumular… Parece que a Copa acabou antes mesmo da Cerimônia de Abertura.
Quando pais e mães voltarão a entender que crianças precisam de vida real? De álbum que leva um mês ou mais para completar? De passeio em família, de jantar sem celular, de olho no olho? De pais adultos e de crianças infantis?
Já vi adolescente iniciando o terceiro album. Vi youtuber completando o colecionável em 24 horas! É a ejaculação precoce contemporânea.
Por isso imploro: que voltem as frustrações! Que volte o sofrimento de esperar semanas por uma figurinha rara. Torço pela volta dos pais que consigam dizer não para os excessos do filho sem medo de desagradar, mas com a certeza de que estão fazendo o que é certo.
Que volte a felicidade que explode no peito da criança ao colar a última figurinha tão desejada! E que esse prazer dure mais do que a pressa dos pais em satisfazer o próximo desejo dos filhos.
Texto: Beto Bigatti