A concorrência da vida anda muito desleal.
Como escrever sobre as relações com nossos filhos enquanto acontecem tantas atrocidades mundo afora?
Como explicar para nossos filhos que esse mundo de atrocidades é o que temos para eles. E mais, que já sabíamos que era assim quando decidimos tê-los?
Como explicar um estupro coletivo quando falar em estupro de um só já é complicado? Como falar de estupro quando teu filho não sabe ainda nem o que é sexo? E como ele vai entender que isso e sexo não tem nada a ver?
Como falar de assassinato em massa, de ódio e de dor quando os dilemas da vidinha deles deveriam ser as brincadeiras no pátio e os temas de aula?
Como abordar a crise moral que assola nosso País enquanto somos confrontados com tantos pais sem ética no dia a dia escolar?
De que jeito abordar o humor cotidiano se teu filho pede, pelo amor de Deus, para desligar a TV com o noticiário?
Como falar em amor quando, em 2016, um filho bate na própria mãe e recebe risadas em troca?
Que triste ensinar teu filho de 3 anos a não fazer nada caso venha um bandido roubar nosso carro?
A concorrência está feia.
Segurem firme nas mãos dos seus filhos e não desistam.
Por hoje é só.
Bem, vou parafrasear Sherlock. Eu me preocupo menos com verdades e certezas do que com perguntas e problemas.
Em diversas épocas, o mais importante foi o problema, a pergunta. E não a resposta.
Por natureza, a pergunta, o problema nos provoca e nos instiga a imaginar as possibilidades.
Já quando temos as respostas, em geral ficamos contentes e paramos!
Como no episódio Blind Banker, do seriado BBC Sherlock. O inspetor Dimmock resolveu que o banqueiro havia cometido suicídio, porque era o que parecia. E Sherlock discordou: difícil se suicidar com a mão esquerda dando um tiro do lado direito da cabeça. Requer algum contorcionismo, não? Foi assassinato.
– Por Deus, homem, o apartamento estava trancado, e estamos no quarto andar. Como você acha que um assassino entraria aqui?
– Ah, está começando a fazer as perguntas certas.
Vou ser direta.
Em nossa época de criança, nossa diversão era sair correndo até o supermercado assim que papai recebia o salário, porque senão poderíamos ser obrigados a sobreviver com 10% menos de arroz-feijão. Carne era racionada, no máximo 1 quilo por semana. E era dura pra caralho, tínhamos de fazer malabarismos com vinagre, abacaxi, etc., para que ficasse menos ruim. (e não sentíssemos o cheiro de podre)
Seu filho por outro lado pode ser afligido por obesidade infantil, ou anorexia-bulimia. Essas doenças não acontecem em países com falta de alimentos. Quando nós eramos crianças, havia menos crianças gordinhas porque havia muito mais crianças morrendo de fome. E crianças assim não adquirem distúrbios de vomitar a pouca comida que conseguiram.
Mas nossa infância foi um maravilhosa, comparado com a infância de nossos pais. E a infância deles foi um paraíso, comparado com a infância de nossos avós (sério, meus avós enterraram vários filhos antes dos 5 anos de idade… minha avó morreu com 56 anos de “velhice”, porque mulheres em geral viviam no máximo até os 34 anos de idade)
Não estamos piorando de vida. Estamos melhorando de vida. Hoje não precisamos mais ver nosso filho morrer de polio.
No entanto, temos problemas. Não os mesmos problemas. Alguns são problemas diferentes.
O maior problema é simples. A maioria das pessoas não é Sherlock. “Ceus como é dentro do cérebro de vocês? Deve ser relaxante não ser eu. Tão vazio ai dentro”.
E por isso, a maioria das pessoas não resolve sequer os próprios problemas. Ficam esperando que os problemas se resolvam sozinhos (heim?). Que Deus resolva. Que alguém resolva. (papai-mamãe? mas um dia eles morrem!)
Uma minoria das pessoas resolve os próprios problemas. Porque sabem que seria ilógico esperar que alguém resolva os problemas para eles. A probabilidade que alguém apareça para resolver meus problemas é de menos de 2 chances em mil. (se eu considerar correta a estimativa otimista do prof. Vantuil de Max Gehringer, 5% dos alunos vão ser alguem na vida… de boas, a probabilidade que alguém entre esses 5% queira resolver meus problemas também é baixa, tipo 5% de novo).
E o que a maioria que não quer resolver os próprios problemas faz? Fica com raiva que ninguém se comporte como papai-mamãe que resolvia tudo para eles. Fica com tanta raiva, que é natural que descontem em qualquer um que passe na frente dele.
Esse é o motivo porque tanta gente acaba ficando com raiva dos gays (alegres). Ficam com raiva que gays consigam ser feliz (apesar de tudo que sofrem), enquanto ele próprio é um infeliz.
Então, meu jovem, eu aconselho que diga o mesmo que eu direi para meus filhos.
O mundo tem muitos problemas. Sério, é um lugar extremamente perigoso.
Mas exatamente porque tem problemas é que é um lugar que vale a pena lutar. Um mundo totalmente sem problemas seria chato. Seria um tédio.
Recomendo que leia biografias de pessoas fantásticas. Que apesar de um monte de problemas – e alguns problemas que colocaram até mesmo a vida deles em risco, ainda assim não apenas sobreviveram: prosperaram e foram(são) felizes. Madame Curie, George Soros, Arnold Scharzenegger, Silvio Santos, Abilio Diniz, Antônio Ermínio de Moraes, Warren Buffett, Bill Gates…
Quanto mais você proteger seu filho, menos capaz ele será de caminhar com as próprias forças para trilhar o próprio destino. Seu papel é de proteger ele por um tempo, proporcionando a ele desafios apropriados (do tipo que ele vai sair vivo!) para se fortalecer.
Pois foi assim que seu José Ermínio de Moraes preparou Antônio Erminio de Moraes para herdar a Votorantim
(quando estudou engenharia nos Estados Unidos, tinha de trabalhar para pagar a pensão e comida… e quando voltou, não ganhou cargo de chefia só por ser filho do chefe. Foi estagiário normal… digo não normal, porque mandou o supervisor mais carrasco da fábrica ser ainda mais duro “porque os outros estagiários não vão precisar um dia tomar conta de tudo”. )
Boa sorte e curta seu filho.
Agradeço o tempo dedicado para colaborar com as nossas perguntas. Tive uma professora que insistia: as perguntas são mais importantes que as respostas. Acho que é por ai sim.
A boa educação acontece quando verdadeiramente achamos o equilíbrio entre proteção e liberdade. E é uma busca sem fim, dias com mais acertos, outros nem tanto, mas vale muito a pena! Abraço e obrigado