Acho que meu pai nunca soube, mas foi a primeira pessoa a acarinhar de verdade meu braço. O braço sem a mão. Arquiteto de formação, era o melhor massagista que conheci. “Teu bracinho é perfeito para massagear. Reúne todos os pontos do Do-in”.
Na época não entendi. Mas aquele foi seu primeiro sinal. Meu maior “defeito” era uma potência que reunia tudo o que eu poderia sentir. Uma porta de entrada para tocar minha alma. Bastava enxergar. Tocar e sentir para acessar.
E ele sentia. E diversas vezes tentou me dizer.
Meu pai queria que eu voasse. Foi ele quem me ensinou a sonhar. Tinha as ideias mais malucas. As mais grandiosas também. Não realizou muitas. Faltou alguém acarinhando seus pontos do Do-in. Careceu de um pai que o torna-se tesouro. Faltou-lhe o afeto que transforma qualquer dor em… voo!
Então, sem poder enxergar suas asas, decidiu transformar aos outros. Passou a receber pessoas todos os sábados à tarde. Nunca pude escutar o que conversava com aquela gente toda que fazia fila de porta de estádio de futebol para escutar meu pai. Mas sei que as pessoas voltavam. Agradecidas. E traziam mais pessoas.
Meu pai curava com o olhar. Pura ternura, olhos verdes amarronzados que derretiam as dores.
Quando chegou sua vez, seus tratamentos não o ajudaram. Porém, curou suas cicatrizes mais profundas voltando à Itália para sarar a ferida de uma vida: recebeu o reconhecimento tardio da paternidade do pai que nunca o aceitou. Sem saber, meu avô ausente acabou fazendo com que meu pai buscasse a cura do outro enquanto perseguia a própria.
Mas eu dizia: meu pai quer que eu voe e desde sempre me enxergou inteiro. E por isso, eu voarei, “papi”. Hoje, me sinto tocado por ti como as pessoas que saiam da sua sala emocionadas. E sinto seu olhar. Ninguém abraça com tanta potência como seu olhar.
Voa, Beto! você diz. Fecho os olhos e sinto seu abraço e seu carinho pelo corpo inteiro.
Então preciso aproveitar este breve contato para dizer. Pai, escuta bem: só posso voar porque você me deu asas de sonhar! E essa ainda é tua missão, fazer o bem a quem pode te enxergar. Onde estiver.
E você que me lê, alguém lhe ensinou a voar?
Beto Bigatti
@pai_mala