Meu pai não tem a mão

Para a grande maioria das pessoas, a decisão de ter um filho envolve muitos questionamentos, medos e ansiedade: abandonar a vida só de casal, vamos ter grana para pagar todas as contas, será que é o melhor momento para botar um bebê no mundo, e se eu deixar ele cair da cama, e se ele não me amar, e se eu engordar e meu marido me abandonar. Sim, os questionamentos são da maioria das pessoas, não vou julgá-los.

Mas eu sempre tive alguns medos bem específicos. E se meu filho não me amar, se tiver vergonha de mim, se eu não conseguir pegá-lo no colo. E se ele também nascer sem uma mão?

É meus amigos, a vida é feita de medos ao que tudo indica.

Agora, já se passaram 10 anos desde que eu virei pai. Um pai sem uma mão.

Desde que soubemos que a Lu estava grávida, meu coração se dividia entre alegria, euforia e muito medo. Nas primeiras ecografias veio a confirmação de que o bebê era “perfeito”. tudo lá, dois pezinhos, duas perninhas, dois bracinhos, duas mãozinhas. Um pintão.

Em parte me acalmei, a teoria de “praga hereditária” estava riscada do caderninho. Agora restavam apenas os outros medos, de ser rejeitado, de fazer outro serzinho sofrer por culpa minha. (Como adoramos uma culpa né.)

Aí chegou a hora do parto, do primeiro banho, da primeira troca de fraldas, da primeira mamadeira, da primeira pracinha e o medo de que as outras crianças passassem o tempo inteiro perguntando onde estava a minha outra mão. Ai passou o primeiro dia de aula, o primeiro desenho feito na escolinha, até que veio o primeiro olhar do Gianluca, então com 1 ano mais ou menos, para meu braço. Um olhar de dúvida. Quase uma surpresa. Respirei fundo e respondi que o papai tinha uma mão diferente, bem pequeninha só com os dedinhos.

Após uma vida me preparando para esse momento em que a grande rejeição viria, fui absolutamente ignorado. O Gianluca seguiu brincando e ignorando o buraco que aquela ausência física tinha criado no meu peito durante uma vida e que, a partir daquele dia e depois daquele olhar surpreso, estava começando a ser preenchido. Por ele. De amor.

Com o passar dos anos, os amiguinhos sempre perguntam alguma coisa (diga-se de passagem com a honestidade das crianças, muito mais bela do que a hipocrisia dos adultos que acreditam que disfarçam bem a sua curiosidade),  e a resposta minha ou dele sempre foi serena e verdadeira. E o vazio ia sendo preenchido a cada dia.

Um dia o balde transborda

Após 7 anos do nascimento do Gianluca, chegou o Stefano. Não vou mentir, quis confirmar se era pintudo nas primeiras ecografias (sim mamães, nos perdoem, somos eternamente bobalhões) e, sim, quis confirmar que todo o resto estava lá. Mas a maior surpresa do nosso segundo bebê ainda estava por vir.

O Gianluca (desculpa meu, mas o papai tá contando só aqui, ninguém vai ler) tinha um cachorrinho de pelúcia, o “Au-Au”, que era seu amigo inseparável na hora do soninho ou em momentos de tristeza ou nervosismo. Não vivia sem ele até o dia em que o Au-Au foi perdido num apartamento em Paris, mas isso é outra história.

Já o Stefano nunca se apegou a nenhum desses bichinhos ou paninhos.

Para preencher de uma vez por todas esse buraco que, hoje, até duvido que tenha existido no meu peito, eis que o Stefano só relaxa, só consegue pegar no sono ou se acalmar quando está triste ou irritado, esse lindo guri de 3 anos, só consegue se entregar quando está agarrado no meu braço, fazendo carinho em um dos 4 dedinhos que tenho no braço direito. É um carinho que a ciência não explica: vai do meu braço diretamente para meu coração. Enche meus olhos de lágrimas e ainda faz o Stefano relaxar e nanar.

Meus filhos, amo tanto vocês e sinto que, com mais propriedade do que a maioria dos outros pai, posso dizer: vocês me fazem COMPLETO.

Cada um de nós, de vocês, provavelmente tem um vazio. Físico ou emocional, não importa. Logo que você se permitir, preencha este espaço com amor, afeto, solidariedade ou qualquer outro sentimento bom. Tenha filhos ou crie um cactus, também não importa, mas se dedique a algo bom. E pronto. Um dia o seu balde vai transbordar de amor como o meu.

9 comentários em “Meu pai não tem a mão

  1. Alberto, fui às lágrimas com o teu texto! Que maravilhoso! Que sorte desses dois guris por terem um pai como tu. Gostaria muito de te reencontrar com a Lu e de conhecer essa dupla! Bjs, Sabrina.

  2. Amigo! Não sabia deste texto incrível!!
    Me senti literalmente na pele lendo,
    com os mesmoss receios (meu filho vai nascer surdo? E pintudo?)
    Pera que preciso tirar um cisco que não sai do meu olho!
    Cara, você é fadaatico!

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