A cena não é estranha para ti, tenho certeza.
Abajur da sala ligado, mas o que brilha mesmo são as mini luzes dos celulares.
Há ali algumas pessoas, mas nenhuma conexão. Além do wifi.
A única senha compartilhada é a da rede sem fio.
Antigamente, as senhas eram veladas, a gente olhava para o olho do outro, lá dentro mesmo,
e entendia as permissões possíveis para aquele momento.
Nós próprios éramos os emojis. Sabíamos piscar ou fazer carinha de afeto. Sem ajuda de teclas e desenhos redondos e amarelos.
Também sabíamos afastar quando o humor pedia porque entendíamos o status do outro “só de olhar”. Hoje invadimos TPMs, cansamos amigos que preferiam o silêncio. Tudo porque não olhamos mais para o olho do outro. Mesma sala, novos abismos.
E quando o outro ri alto da mensagem recebida sei lá de quem, mas é incapaz de sorrir quando chegas do trabalho.
Quantas vezes escutamos “mas eu te disse”, e na verdade foi meio dito, meio escrito pelas
mensagens lidas todas na mesma fração de segundo do esquecimento.
Eu mesmo, esses dias, me surpreendi ao dizer para minha esposa: “como assim não sabias? Não viu meus stories?”. Parei. Apaguei o abajur, abri a persiana, o sol entrou e pude ver o brilho do olhar das pessoas ao meu redor.
Em tempo, ainda nos reconhecemos.
Muitos de nós deixam de se reconhecer após longos períodos sem conexão. É natural. É real. A desconexão só acontece na vida real.
A conexão também.
Nada substitui o toque na pele, nenhum emoji comunica mais do que ver tua pupila dilatando.
Para os pais, ainda aprendizes no status das conexões, basta seguir a regra da presença. Daquela real e verdadeira, cuja única senha possível é a do amor.
Aos filhos pequenos, o wifi demais poda as possibilidades de afeto; para o adolescente, a conexão excessiva o coloca numa bolha perigosa.
Como tudo na vida: usa a tecnologia com sabedoria e moderação, mas nunca limita teu afeto e, muito menos, tua presença.