Ah, a culpa. Sempre ela. Pergunte para alguém sobre a quarentena. 99,9% das respostas será: “dias bons, outros nem tanto…”. Logo após declarar que há dias bons (em meio a dezenas de milhares de mortes) assombra a culpa e nos obrigamos a destacar que também há dias meia-boca.
Mas e fora da pandemia, como eram os dias? Sempre bons?
Não te faz de bobo, é claro que durante o isolamento social (para quem o pratica, não para quem faz churrasco com os amigos toda semana e usa máscara no queixo), nestes dias estranhos, é claro que o conceito de dias ruins ganha outra conotação, porém, hoje, quero que a gente pense sem a maldita culpa nos espiando.
É feio ter dias ótimos durante a quarentena? É (ahá!) pecado ir dormir feliz? É negar a realidade, mesmo após assistir ao Jornal Nacional, conseguir desligar a TV, e ter um jantar agradável em família?
Já disse, esqueçam a culpa. Por alguns instantes, abandonem essa ideia de que como o corona não nos levou, devemos nos penitenciar porque, afinal, não fizemos nada para merecer a vida.
E me respondam: podemos ter dias ótimos porque ainda nos restam a família, o abraço dos filhos, os 5 minutos de paz no chuveiro sem o abraço dos filhos, o privilégio de reclamar do homeoffice? E por aí vai a lista que cada um de nós poderá completar em silêncio, sem precisar divulgar, mas, livres da culpa, reconhecer que há dias bons sim. Na pandemia e fora dela.
Se você sempre encarou a vida como uma sucessão de problemas e chateações a serem resolvidas, provavelmente está sendo muito pesado lidar com a própria presença sem intervalos. Compreendo. Não por conta da quarentena, mas porque seria mais tranquilo de viver, talvez fosse uma boa oportunidade para você repensar. Tipo, tudo.
Se você é só mais um tentando levar a vida, com misto de fé, esperança e frustração, como eu e tantos outros, sugiro baixar a carga da culpa e reconhecer que há vida em meio ao caos. Saibamos reconhecer que seguimos. Que, entre muitos, ainda temos como citar os tais dias bons.
Não se trata de enxergar o copo meio cheio. Fundamentalmente, proponho reconhecer que temos, ainda, um copo e o poder de enxergá-lo.