Mark Uttecht

Meu pai sempre me dizia

“Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado”
Paulinho da Viola

Quantos de vocês dizem coisas do tipo:

“Ah, meu pai sempre dizia que vaca não se encosta em burro!”

“Meu pai me ensinou que negócio demorado acaba não saindo.”

“Meu pai sempre disse que o que não tem solução, solucionado está.”

“Meu pai me dizia sempre: as coisas são como são e não como deviam ser. Ou como gostaríamos que fossem.”

Todos nós dizemos isso, o tempo todo, certo?

Por isso mesmo é que você vai entender o que tem me interessado muito ultimamente, o que tem sido foco das minha pirações, e deveria ser das suas também: o que meu filho vai dizer daqui a 20 anos sobre meus ‘ensinamentos’?

Exato! O que vamos ter ensinado para nossos filhos de tão importante para lembrarem daqui a duas décadas e dizer para seus filhos, nossos netos (!) ou para algum amigo numa mesa de bar?

Que papel é esse que estou (estamos né, meu amigo) exercendo, que poderá estar servindo de referência para nossos filhos e que eles usarão como exemplo ou crítica daqui a exatos vinte anos?

Que grande bosta podemos fazer para eles não terem nada a dizer sobre nós daqui a 30 anos?

Que momento mágico é esse em que passamos a ser citados publicamente como referência de alguma coisa?

Por que começamos tantas frases graves com “como meu pai dizia…”? Por que tantas perguntas, seu mala?

E todas as vezes que eu e vocês erramos? Eles não vão botar no ventilador nessa mesma mesa de bar? “Meu pai sempre” não é necessariamente bom.

Mas imagino que seja melhor do que “meu pai NUNCA”. Nunca? Nunca esteve presente, nunca assistiu meu jogo de futebol, nunca estudou comigo, nunca me ajudou com o tema, nunca tirou os nós dos meu cabelos, nunca chorou por mim, nunca me viu chorar de felicidade, nunca vestiu minha Susi, nunca me viu como eu realmente sou.

E que bom que somos citados por grandes feitos e por uma sabedoria que nem sabemos que pode estar ai, aqui, agora. Reforça nossa futura autoestima.

Daqui a 30 anos quero ouvir, de canto, fazendo de conta que presto atenção na TV, quero escutar, “olha teu vô, ele sempre me disse para…” e cair em prantos porque daqui a 30 anos vou servir de exemplo.

E daqui a 40 anos quero ainda escutar. Sim, aos 81 quero ter audição para, aí sim, poder simplesmente sorrir para meu filho ao ouvi-lo mentindo que eu ensinei isso ou aquilo. “Que nada, meu pai sempre disse para não olhar para trás que é para frente que se olha!”

Claro que antes de mim, gênios já escreveram sobre isso. Fernando Sabino teceu uma crônica sobre essa loucurada toda e concluiu da forma mais doce possível:

“Resta apenas evocá-la (a frase ‘como meu pai dizia’), como faço agora, para me servir de consolo nas horas más.
No momento, ele próprio está aqui a meu lado, com o seu sorriso bom.”

Coisa boa, amorna minha alma sentir esse sorriso bom.

Mas enfim, não tenho respostas para todas as perguntas que fiz até agora. E arrisco dizer que você também não tem. Não temos porque ser pai é não ter todas as respostas. É seguir com muitas perguntas. Porque ser pai é descobrir as respostas no andar da carruagem. E, às vezes, nem assim. Porque ser pai é ser citado mas é citar também. Mas, sobretudo, é ter amor para permitir todas as perguntas.

E ouvir daqui a 40 anos: meu pai fez até um Blog para falar da gente, que bacana… 😉
PS. Não somos nós na foto.

2 comentários em “Meu pai sempre me dizia

  1. Eis uma boa reflexão! Não tinha me dado conta de tamanha importância dos nossos atos e palavras, talvez por ser pai há apenas 5 meses. Mas daqui pra frente haverá a reflexão, sim! Boa, Alberto

    1. Anderson, quanto mais eles crescem, mais clara fica essa influência. E tenha certeza que cada gesto de amor monta uma parte desse grande quebra-cabeça que é a relação com nossos filhos. E nesse contexto, o que dizemos e como agimos faz toda diferença. Beijo na pequena!

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