Lugar de menino não é na cozinha

Levaremos ainda muito tempo para quebrar o paradigma de que rosa é cor de menina. Ok, em alguns setores não encaro como um problema. O uso na área da saúde, por exemplo: estamos no mês dedicado aos cuidados da saúde feminina, o Outubro Rosa. Já o azul está ligado ao universo masculino. Não esqueçamos, o próximo mês (novembro, dedicado a saúde do homem) será azul. Ok, nestes casos, o uso destas cores não me parece um absurdo.

Entretanto, no Brasil, uma área em particular explora massivamente esse pressuposto largamente difundido do rosa ser cor de menina, e parece que nunca evoluiremos do clichê “lugar de menino não é na cozinha”. Com toda a certeza, é exatamente isso que o mercado de brinquedos infantis brasileiro pensa. Os exemplos são abundantes e são machistas e preconceituosos.

Nessa véspera do Dia das Crianças, qualquer visita a uma loja ou pesquisa na internet confirma: todo e qualquer brinquedo relacionado às “atividades do lar” tem apenas meninas nas fotos de suas embalagens e em seus anúncios, além de a embalagem e o próprio brinquedo serem completamente rosas.

Ou seja: fique bem claro que um menino não deve se aproximar de uma pia, ou de uma cama, ou de um bebê, ou ainda, de um fogão. Definitivamente, lugar de menino (e de homem) não é em casa. Definitivamente, lugar de menino e de homem não é próximo às tarefas cotidianas e muito menos dos cuidados com os filhos. Isso tudo é rosa e portanto pertence apenas às meninas e às mulheres.

O mercado publicitário, composto na sua maioria por jovens da geração Y, ignora suas próprias bandeiras.

Pergunto-me como seguem repetindo os velhos chavões, onde a menina e a mulher devem ser belas, recatadas e do lar, e os homens podem ser o que quiserem. Claro, a culpa não é só dos publicitários, por trás deles há os gestores das empresas fabricantes de brinquedo e suas mentalidades jurássicas.

A sociedade, querendo ou não, está discutindo cotidianamente as questões de gênero, mas parece que a publicidade e os grandes fabricantes de brinquedo ficaram no século XIX, antes de Cristo.

Por outro lado cabe destacar que estas empresas geralmente não fazem nada sem grandes pesquisas de mercado. Talvez o mais triste disso tudo, seja o fato dos grandes fabricantes de brinquedo no Brasil terem identificado que esse tipo de mentalidade ainda predomina entre seus consumidores. E que fique claro, quem compra esses produtos são os adultos, mas quem consome verdadeiramente são as crianças que acabam por receber velhos e mofados preconceitos em tons de rosa.

Entendam de uma vez por todas: se quisermos homens atuantes, se quisermos homens que assumam a paternidade em sua forma integral, deixando de ser meros ajudantes, devemos aceitar e permitir que um simples brinquedo em formato de pia de lavar louças possa ser de qualquer outra cor sem ameaçar um bando de gente atrasada.

As bonecas todas dizem “olá mamãe, troca minha fralda?”. Quando começarão a dizer “olá papai, troca minha fralda?”

E nesse ponto, precisamos botar o dedo na ferida: se o seu filho brincar de cozinha, se seu meninão lavar uma louça de mentirinha (ou de verdade), se o pentelho do seu guri ousar brincar de boneca, o máximo que ele vai se transformar é em um homem melhor. O que ele vai fazer na cama, pasmem, não tem nada a ver com o que ele vai brincar na infância.

Mas para potencializar essas brincadeiras, senhores e senhoras proprietários de fábricas de brinquedos, sigam os modelos de países (mais) evoluídos. Numa rápida pesquisa em lojas européias e americanas, descobrimos o óbvio: os brinquedos infantis que reproduzem uma casa e tudo o que há nela, não tem sexo! São de cores “unissex”, seja lá o que isso queira significar.

Tenho dois filhos em casa. Os dois estão aprendendo a cozinhar comigo. Um deles me pediu essa pia de lavar louça que aparece na imagem deste post. Ela é amarela e rosa, todos seus pratinhos são rosa e no comercial da TV, aparecem apenas meninas muito felizes lavando a louça. Ele vai ganhar esta pia de Dia das Crianças. Provavelmente meu filho de menos de 4 anos seria ridicularizado por um destes fabricantes de brinquedos no Brasil, afinal, lugar de homem não é na cozinha.

 

Exemplos de brinquedos FORA do Brasil (clique para aumentar)

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11 comentários em “Lugar de menino não é na cozinha

  1. Oi Pai Mala, adorei o seu blog!

    Eu sou Mãe de menino e tb sinto essa angústia. Os brinquedos de hoje em dia me deprimem… Se tivesse uma menina, seria ainda mais difícil pq JAMAIS daria a ela um brinquedo desses (se é que isso é um brinquedo, pra mim, soa mais como uma doutrinação).
    Mas pior do que a reprodução desse discurso via publicidade é a própria cabeça das pessoas que não mudou, vide as últimas pesquisas sobre a culpa do estupro. Os meios de comunicação só reproduzem oq já existe, não são eles que o inventam… O Brasil ainda é um país tacanho e de pensamento pequeno.
    O trabalho é de formiguinha, de um pra um, de olho no olho… só desse jeito vamos criar homens desse jeito aí que vc citou.

    Seu blog é ótimo, parabéns! Solto fogos no coração quando leio um homem-pai escrevendo (bem) sobre esses assuntos. Abraços e boa sorte!

    1. Vanessa, muito obrigado pelo incentivo! Sim, é um trabalho de formiguinha e devemos fazer a nossa parte mesmo. Só assim conseguiremos um mínimo de mudança na sociedade, ainda que às vezes eu questione se vai dar em alguma coisa mesmo… Mas não percamos a força! Abraços e volte sempre para nos visitar por aqui!

  2. Pai mala,sou mãe de 4 filhos,sendo 1 menina.Comecam as diferenças na língua escrita e falada.Mas ensinei à todos,lavar louça,ajudar aos irmãos mais moços inclusive na troca de fraldas.E a menina tinha uma cozinha de brinquedo que eles todos adoravam brincar.O mais velho é pai e marido e faz tudo dentro de casa.E o melhor é feliz,muito feliz.Os fabricantes podem trocar as cores dos brinquedos,mas qdo mudará a língua falada e escrita?

    1. Que bacana! Gosto muito de uma campanha que vi há um tempo na internet que dizia: se o seu filho brincar de boneca você tem medo que ele vire o que? Pai? Obrigado pela visita Martha! Volte sempre 😉

  3. A Xalingo, daqui do Brasil, criou uma linha de brinquedos de faz-de-conta revendo exatamente essa situação!! São lindos e na propaganda há tanto meninas qto menino. Legal, né!!!

  4. Ha uns meses, vi num documentário uma teoria interessante sobre isso, a de que essa separação entre brinquedos de meninas em cor de rosa e de meninos em azul, seria propositalmente imposto pela indústria com o intuito de aumentar as vendas. Antigamente, irmãos dividiam o mesmo brinquedo: lembremos dos brinquedos de madeira, peão, ou mesmo das bicicletas que eram pretas ou vermelhas. Com a separação por cores, evita-se esse aproveitamento do mesmo brinquedo, fazendo com que tenhamos que comprar um para cada filho.

      1. Lamentável! Uma questão tão importante como esta, com uma influência enorme na construção da identidade das nossas crianças, completamente negligenciada por causa do lucro dessa indústria!
        Tenho uma filha e uma sobrinha e comprar brinquedos pra elas é sempre um desafio! Encontrar algo que fuja da ideia de que elas devem ser lindas, ter instinto materno e ser loucas por compras não é tarefa fácil!
        Mas acho que é isso, o trabalho é realmente de formiguinha…

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