E você, já adotou seu filho hoje?

Desde muito cedo aprendi que o que acontece na primeira infância marca a criança para todo o sempre.

Rejeição, violência, dramas, amor, afeto, presença. Tudo. Marca.

Sei que todos pensamos que nossas famílias dariam um bom livro tamanha quantidade de histórias bizarras, aquela tia solteirona maluquete, o avô alcoólatra que invadiu o casamento de um desafeto e por ai vai.

Eu não sou diferente. Minha família dá um livro dos grossos com momentos de dramalhão, comédia, emoção e umas pitadas trágicas. Isso tudo regado à música e vinhos italianos.

Penso em começar o livro falando dos 4 dias que passei com meu pai, na Itália, um mês antes da sua morte.

Já bastante doente, seguia cheio de vida. Fazendo a barba diariamente, indo ao supermercado, divertindo-se com os produtos locais: o melhor da Lombardia na porta de casa. Seguia colhendo temperos na horta e dando orientações precisas para a cuidadora, uma emigrante de rosto anguloso e profundo vinda do leste europeu, russa ortodoxa de arrepiar.

As conversas nem tão frequentes via Skype já não preenchiam meu coração e muito menos o dele. Precisei ir à Itália.

Foram os 4 dias mais honestos e em que nossas almas mais estiveram conectadas como jamais em 40 anos de convivência.

Foi nesses 4 dias também que disse pela primeira vez que o amava. Lágrimas nos olhos, o abraço mais bonito que já dei e recebi na vida. Tudo isso em 4 dias.

Passeamos por lugares lindíssimos na região que ele nasceu e que voltou, sem saber, para morrer.

“Eu sou daqui” era a frase que ele mais me repetia no seu dialeto lombardo.

Vida de imigrante é assim: distante das suas raízes, sem chão, com o coração apertado o tempo inteiro.

Meu pai era adotado. Foi adotado por um bom homem, que lhe deu o sobrenome e o afeto que toda criança precisa para respirar. Como já disse, daria um livro. Meu pai sempre soube quem era seu pai biológico. Nunca foi reconhecido. Vizinhos de porta no passado, deixou cicatrizes profundas em meu pai. Desde muito cedo aprendi que o que acontece na primeira infância marca a criança para todo o sempre.

Nesses 4 dias, nos despedimos sem saber. Falamos de assuntos inéditos, o que era incrível aos 40 anos. Falamos da dura separação entre ele e minha mãe, dessa vez do ponto de vista dele. Que passou a ser o meu. Falamos sobre o futuro. Falamos sobre os temperos. Ainda sinto o perfume do alecrim que cheirei na mão dele. Me escutou com admiração, o que me preencheu de orgulho.

Ver nossos pais chorarem é símbolo da nossa humanidade. Estávamos no nosso chão, a Itália, unidos pela dor da doença e a previsibilidade do finito. Mais unidos do que nunca. Criou-se ali, a conexão que no passado nem sempre pode ser exercida.

Me senti adotado mais uma vez. Melhor, entendi naquele momento que até os filhos biológicos precisam ser adotados. Diariamente. Os meus, os teus, os nossos.

Me senti amado como nunca havíamos nos permitido.

Nos despedimos com a certeza de que nos veríamos em breve. Levaria o neto que ele não havia conhecido ainda e que era ruivo como ele. DNA seguindo. Não deu tempo.

Estranhamente, estávamos certos: nos veríamos em breve porque o vejo diariamente temperando a minha vida com muito mais sabor, cores e aromas desde aqueles 4 dias em que passamos juntos.

Então, lembre-se: adote seu filho diariamente. Reassuma cotidianamente o compromisso de amá-lo de forma incondicional. Nunca perca a oportunidade de expressar (até mesmo verbalmente) seu amor por ele.

 

Nosso último passeio.
Nosso último passeio juntos.

8 comentários em “E você, já adotou seu filho hoje?

  1. Meu amigo fico muito feliz por saber desse teu encontro com teu velho. Por sinal a foto na bicicleta, imagino que seja dele na juventude, já que quando a vi, naquela fração de segundo, antes de identificar o texto do amigo, identifiquei a imagem em minha memória. Vocês eram muito parecidos! A vida é isso mesmo Alberto, acho que sabes bem, pois a tem descrito muito bem. Teu pai parece que era um cara muito legal, assim como você. Passe para teus moleques as suas experiências com ele!!! Forte abraço

    1. Juliano, muito obrigado pela mensagem tão bacana! É ele sim, também me reconheço na foto.
      O mais legal disso tudo é passar essas histórias pra frente mesmo, tens razão! Forte abraço e obrigado por ler o blog!!

  2. Querido colega e amigo Alberto! Que lindo texto! Profundo e verdadeiro! Realmente dá um livro. Acredito sim que os traumas ocorridos na infância deixam marcas! Feliz pelo resgate feito com seu pai (eu sempre busquei retornar questões com os meus). Um dia leve seus filhos para conhecerem esses lugares Me lembro pouco dessa parte da sua vida! Pois entre volta de escola e recreio falávamos dos nosso problemas na infância…mas com outro enfoque e preocupação. E realmente ouvi essa frase de um psicologa…Quando meus filhos nasceram eu os adotei e sigo adotando!!

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