A superação de cada um

Você também já se pegou admirando sua obra-prima? Já ficou minutos ou horas olhando extasiado para o seu filho? E ficou pensando, meu Deus, eu que fiz!

Você também às vezes duvida que foi capaz de tamanha perfeição? Eu, tão imperfeito, justo eu, fui o responsável por esse rostinho de anjo, essas mãozinhas de querubim, esses pezinhos de bisnaguinha?

Sim. Eu que fiz.

Quando olho para seus gestos, suas atitudes, seus comportamentos e valores me encho de orgulho e penso: eu que fiz.

Não é orgulho apenas, é surpresa também.

Não que não levasse a mínima fé em mim, mas tanta superação, ah, veja bem, nunca achei que seria capaz. Antes que me xingue, claro que a mamãe também fez. Mas entendam, achei que minha contribuição iria batumar o bolo, desandar a maionese. Ao que tudo indica, colaborei taco a taco. E deu muito certo.

Já falei dos meus medos de ser pai aqui, em outro texto, mas neste momento de Paraolimpíadas, quero retomá-los. Aos que não lembram, não tenho uma mão. Mas tenho a outra, e mais as pernas, pés e muito coração. Um tronco, dois olhos e orelhas também. E assim, desde criança imaginava as dificuldades, primeiro, de ser amado por uma mulher e, segundo, de gerar frutos desse amor. Afinal, como segurar um filho com uma mão apenas? Como ter a certeza de não gerar alguém imperfeito?

Claro, apenas a maturidade e a vivência puderam me mostrar que carrego meus filhos com o coração, e que a mão não fez diferença alguma.

Mas por que retomo este assunto agora? Porque as Paraolimpíadas me fizeram pensar numa coisa fundamental: se você não acreditar no seu filho e não mostrar que ele pode ser o que quiser na vida, se não fizermos isso, estaremos limitando um ser ilimitado.

Nadei muito bem na infância e adolescência. Bem mesmo, ok? E lá pelos idos dos anos 1980, ninguém era capaz de me incentivar a ser um paratleta. Não era da nossa cultura.

Em outro momento, minha mãe me levou à uma Escola de Música, vinculada a uma Universidade. Eu adorava piano e começamos a tentativa por ai. A professora foi taxativa: impossível. E outro instrumento? Acho brabo. Pouco nos olhou do alto de sua academicidade. (Hoje fico pensando, meu Deus do céu, oferece um tamborim para essa criança! Qualquer coisa!)

Ok, este cenário parece medieval, mas juro, não tenho 600 anos. Aconteceu em Porto Alegre, no início dos anos 1990.

Nessa era em que fui criança, a era dos dinossauros, nossa cultura não previa superações. Outros tempos.

Hoje, a superação está presente em cada esquina, em cada casa. A inclusão entrou definitivamente na pauta, assim como o combate ao preconceito, que infelizmente ainda se encontra em muitas esquinas.

Hoje, para arrancar qualquer inferioridade do meu ser, meu filho caçula só dorme agarrado nos dedinhos que tenho no braço direito. Só eu acalmo ele assim. Hoje, me aquece o coração lembrar de quando meu filhote mais velho ia rezar e unia uma mão aberta à outra fechada em punho, me imitando involuntariamente durante nossas preces.

Hoje, meus filhotes me fazem o homem mais completo que conheço. Hoje, estou mais interessado em acompanhar as superações deles, que são diárias.

Então, assistindo as Paraolimpíadas, não enxergo, como a maioria de vocês, pessoas com deficiência se superando. Eu vejo ali, nas piscinas, nas pistas e nas quadras, corações se completando. Assim como o meu está completo hoje.

Uma pessoa, qualquer pessoa, com ou sem uma deficiência aparente, se preenche quando seu coração está repleto. Eu, você, seus filhos, seu marido, sua esposa. Para isso, temos de (todos) nós estarmos abertos para que cada um supere qualquer que seja o seu obstáculo. Aí está a verdadeira superação: quando permitimos que o outro se supere.

 

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