História para boi dormir

Muito se fala em tempo de qualidade com os filhos. Eu nunca gostei muito dessa teoria, mas sempre fui uma voz dissonante.

Há muitos anos, escutei da atriz Maitê Proença a declaração de que era contra o tal “tempo de qualidade” porque acreditava que era importante uma quantidade maior de tempo para estreitar a intimidade com o filho a fim de propiciar momentos de abertura e vínculo. Me identifiquei.

Alguns anos depois, assistindo a uma palestra do Marcos Piangers, ele reforçou essa teoria de que tempo de qualidade é uma desculpa que o pai a mãe contemporâneos tiveram de inventar para diminuir a culpa por passar tanto tempo fora de casa. Já não estou mais sozinho nessa.

Claro que a culpa bate. E bate forte lá dentro do nosso peito quando percebemos as poucas horas disponíveis com os nossos filhos. Arranha o coração e dói.

O pouco tempo que temos com nossos filhos é nosso maior pecado. O pavor é de nunca sermos perdoados.

Calma. Muita calma nessa neura.

Temos pouco tempo sim, é verdade. Mas por quê? Às vezes estamos no sofá de casa, mas, de fato, nos encontramos a léguas dali. Temos 30 minutos de trânsito com nosso filho na carona, mas só conseguimos pensar nos problemas do trabalho. Vivemos muito tempo longe do presente. E, surpresa, nosso filho está apenas no presente, aqui do nosso lado enquanto estamos com a cabeça na reunião das 14h.

Ter filhos significa não se priorizar tanto quanto já fizemos no passado. E está tudo certo. Mudamos nossos critérios de importância. Abrimos mão da troca do carro para pagar o intercâmbio. Investimos mais no inglês deles do que na nossa academia. Não precisamos esquecer de nós mesmos, mas sim, há uma troca de prioridades.

Somos gentis com o chefe abusivo e não aguentamos um chilique do caçula, sendo rudes com quem só quer nosso colo.

Tempo de qualidade é uma bela expressão. Mas eu não gosto. Prefiro ter tempo presente com meus filhos. Me dedicar por mais do que 15 minutos de atenção total. Ora, pouco se faz em um quarto de hora. Que conversa íntima posso ter com meu filho adolescente? Quero saber como anda a cabecinha dele: “filho, seguinte, temos 15 minutos, me diz, alguma angústia? Alguma insegurança típica da adolescência? Me fala rápido porque já temos só 14 minutos e 10 segundos para você se abrir comigo e eu te dar respostas conclusivas!”.

Qualidade e quantidade tem de andar juntas.

Veja bem, esse é o momento em que você não se faz de bobo e entende que estou falando no que eu acredito como ideal. É evidente que tenho dias em que converso apenas durante a escovação dos dentes à noite. Uma conversa meio gemido, meio “uhum”, “unun”. Porque, às vezes, é o que dá e que bom que ao menos isso (e um beijo de boa noite) rolou.

Mas não me venha defender 15 minutos diários como suficiente para criar vínculos com seu filho. Não é. Não se engane.

Não somos perfeitos. Alguns dias chegamos em casa exaustos. Não há força sequer para sentar no chão com nossos filhos. Minha sugestão: ao invés de enxergar esse tempo como de doação para eles, podemos entender como o tempo no qual recarregamos nossas baterias com a maior fonte de energia que há, o amor. Explique para seu filho, papai está muito cansado, vamos devagar. E recarregue-se. De esperança, de fé, de afeto e de tempo. Porque saímos desses momentos muito mais disponíveis para a vida.

Tempo de qualidade é tempo o suficiente para brotar o vínculo e a intimidade. Senão, é história para boi dormir.

 

2 comentários em “História para boi dormir

  1. Cara, não sei se concordo muito, porque faltam alguns detalhes a serem esclarecidos. Primeiro, qual a definição utilizada por você para tempo de qualidade? Eu entendo que qualidade não está relacionada a tempo, pois este é relativo, meia hora para uns é pouco, para outros muito. Acho que a lógica do termo “menos quantidade, mais qualidade” tem haver com o quanto este tempo, curto ou longo, é aproveitado, até porque se o cara ficar um final de semana ou três horas com o filho, sem investir atenção, investir uma atenção de péssima qualidade, destrutiva, desatenta, passando a responsabilidade de interação para os eletrônicos, parentes, parques de diversão, sem realmente se envolver, acredito que o efeito inverso , porque será de péssima qualidade. Qualidade não está relacionada a quantidade.

    1. Oi Alfredo! Claro, qualidade não está necessariamente relacionada com quantidade, mas ainda assim defendo que se tenha os 2 juntos, sempre que a vida permitir. A Ideia desse é texto é tirar um pouco a ideia (equivocada, no meu entender) de que se eu tiver 15 minutos na semana com meu filho, mesmo que 100% dedicado a ele, estaria configurado um “tempo de qualidade”. Até pode ter sido, mas acredito que é insuficiente para estabelecer vínculos de afeto. Abração e seja sempre bem-vindo por aqui!

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