Cogumelos marrons

Todas as lembranças que tenho de meu pai vem embaladas em cheiros e aromas. Alecrim: almoço de sábado na casa dele. Cogumelos numa mata? Ele de novo. Bem pertinho de mim. Me ensinou a colher os melhores cogumelos nos bosques gaúchos que tanto lembravam a sua Itália. Mãos marrons. Cortávamos e secavam no pátio mesmo. Não pescávamos. Colhíamos cogumelos. E falávamos sobre a Itália, sempre ela.

Tinha poucas conversas afetuosas com ele. Já contei aqui, disse que o amava só um mês antes de sua morte. Foi um atraso doloroso. Mas a nossa forma de troca de carinho era através desses cheiros. Olfato amado. Que nunca me falte.

De todos os aromas, um sempre me marcou. O amor do meu pai tinha cheiro de sabonete. De Phebo. Tenho agora a presença nem sempre frequente do passado em uma inspiração. Quando tomo banho com o sabonete que ele usava, uma ligação cósmica entre mundos acontece. Sempre que tenho saudades dele, uso o mesmo Phebo que ele usava.

Como pode? Fechar os olhos, respirar fundo e a presença de uma pessoa que não está ali me esquentar a alma? Que poder é esse contido em um sabonete marrom? Trazer meu pai de volta do céu. Mesma cor do cogumelo selvagem. Talvez não seja uma coincidência.

Sou muito parecido com ele. Mesma pele, mesmas sardas. Mesmo cheiro. Mesmo coração grande.

Um banho com o sabonete do meu pai não é um banho de se limpar. É um banho para se aconchegar. É trazer meu pai de volta da Itália. Num avião expresso em questão de segundos. Abro a embalagem e ele se faz presente. Hoje, do céu, a viagem parece até mais rápida!

Agora que o pai sou eu, fico pensando quais os aromas, quais os perfumes, quais os amores vão fazer meus filhos lembrarem de mim daqui a 30 anos. Exatamente que momentos nossos eles vão guardar no coração. Olfato, tato. Qual sentido vai fazer com que eles lembrem do amor que tanto tenho por eles.

Quais atos de amor, de afeto e de amizade serão lembrados por meus filhos? Todo pai deveria pensar nisso. Porque sempre é tempo de criar essas memórias. As afetivas, duradouras.

Papai vai virar estrelinha um dia. Bem lá longe no calendário. Tão lá distante que até escrever essas duas frases me deixa zonzo. Pensar tão para frente me atordoa. Devia me ater ao presente, onde de verdade é construído o futuro. Nem sempre consigo. Sofro para frente.

Vocês certamente verão muitos aviões e irão se lembrar de mim. Para cada avião que passa, o papai reconhecia o modelo pelo barulho, dirão.

Cada vez que olharem para meus netos com carinho e admiração, irão se lembrar de mim, certo? Irão reconhecer nos seus próprios olhares brilhantes, o orgulho que tenho diariamente de vocês.

Quando forem assar seus próprios churrascos nas suas próprias casas, torço para que lembrem da minha presença. Estive aqui em todos os assados da nossa família. Lembrem, a mamãe sempre esquece do sal no arroz. Lembrem ela.

Todas essas lembranças servirão para esquentar o coração de vocês. Mas de verdade, queria muito ter um “sabonete Phebo” para ser lembrado.

Meus abraços apertados e diários poderão um dia se transformar nesse amor sensorial. Afeto pode vir de qualquer jeito, em qualquer feito. Uma carraspana pode estar melada de carinho.

Que vocês encontrem a minha lembrança. Não preciso virar estrelinha. Não esperem tanto. Papai esperou muito para amar o próprio pai. Não percam tempo: a felicidade está no caminho e não na chegada. Somos o caminho. Somos o agora.

 

 

4 comentários em “Cogumelos marrons

  1. Que texto maravilhoso…impregnado de verdades e de afetos.
    A minha melhor lembrança são colos, muitos colinhos. Por isso dou muito colo para meu filho, mesmo sendo maior do que eu.
    Abração.

  2. ramoas, cheiros, sabores e uma lembrnaça de toques. É muito confuso quando as famílias se separam, os filhos são “esquecidos” ou mesmo vivem num “terrorismo”, praticado pela mãe na maioria dos casos ou ambos. Sou de 1963, e segundo relatos de minha mãe morta em 2014 e do seu documento de morte, ele se foi aos meus tenros 2 anos de idade e um imão de 6 anos. Minha mãe deixou também na minha memória numa primeira fase a questão dos sabores, coisas simples, mas que tmabém provaca conexões. Até a próxima

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